Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não tem cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.
Os ninguéns, Eduardo Galeano.
Hoje, embora já atrasada, consegui ler a dissertação de mestrado de MARIA CLARA RAMOS DA FONSECA SILVA.
DO HIGIENISMO AO DIREITO: ANÁLISE DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA PÚBLICO DE SAÚDE PARA O POVO CIGANO/ROMANI NO BRASIL
https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/44492/1/2022_MariaClaraRamosdaFonsecaSilva.pdf
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Saúde Coletiva pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade de Brasília
CONSIDERAÇÕES FINAIS O povo cigano/Romani foi inserido nos debates governamentais e suas demandas expressas nos documentos estatais nos últimos 20 anos, tempo não suficiente para a superação do anticiganismo, mas inquestionavelmente importante à organização política de ciganos no Brasil, além do considerável aumento da participação feminina na educação, na mobilização e na representação. Via de regra, os debates políticos foram influenciados por tratados e convenções internacionais, mas não se pode deixar de evidenciar o papel das associações brasileiras para as conquistas obtidas e para o fortalecimento da perspectiva de direito. No entanto, finaliza-se este trabalho com a sensação de que, apesar dos inúmeros esforços empreendidos com vistas a avançar na atenção em saúde ao povo cigano/Romani, as ações até agora elaboradas são pontuais, com exceção da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Povo Cigano/Romani, que, inegavelmente, é uma política com um escopo muito bem estruturado e fundamentado. De outra sorte, não há instrumentos efetivamente disponíveis para monitoramento e fiscalização da Política, haja vista que não se conhece nem mesmo o quantitativo de usuários ciganos do SUS, o que, não à toa, enfraquece os mecanismos e os espaços de controle social. A política de saúde sofre, nos últimos seis anos, as mais nefastas consequências dos interesses econômicos capitalistas desde a sua estruturação, em 1988. A crise social e sanitária decorrente da pandemia de COVID-19 escancarou as desigualdades latentes na sociedade brasileira e a precarização da saúde pública no Brasil. Vê-se cada vez mais distante a consolidação de uma política de saúde intercultural, verdadeiramente equânime e condizente com a diversidade de povos e culturas no País. Mas esta não é, todavia, uma carta de condescendência e de despedida ao SUS, ao contrário, entende-se que este momento urge como um chamamento de defesa ao sistema público, gratuito e universal de saúde, contra os empreendimentos que visam a sua privatização. Com efeito, as participantes da pesquisa possuem uma interpretação crítica da realidade e dos fenômenos sociais. Esta não é, porém, a realidade de muitas pessoas ciganas/Romani Brasil afora, especialmente de meninas e mulheres que não possuem oportunidades de acesso à educação e isto também repercute nas condições de saúde e adoecimento. Com a revisão das perspectivas temáticas das interlocutoras, a partir dos lugares que elas ocupam na sociedade, foi possível uma análise sobre sua compreensão dos desafios do 106 presente e as aspirações para o futuro. Considerou-se potencialmente rico o debate travado com as mulheres ciganas/Romani entrevistas, portanto, sendo possível identificar categorias objetivas e eixos estruturantes indispensáveis às lutas sociais. Foi possível estabelecer uma relação entre aspectos históricos e as principais barreiras de acesso ao sistema de saúde com qualidade na contemporaneidade, mas também as estratégias de mobilização e articulação para enfrentamento das iniquidades em saúde. Por fim, sustenta-se que a contraposição a uma imposição de uma identidade cigana forjada sobre relações de poder não significa o intento de uma homogeneização do povo cigano/Romani face à sociedade nacional. Sabe-se, como exposto, que o seu reconhecimento como povo culturalmente diferenciado e, ao mesmo tempo, pertencente à sociedade brasileira, não deve se restringir ao seu lugar historicamente determinado por diferenciações sociais, étnicas e raciais pautadas pelo controle. A identidade, como já explicitado, pressupõe a diferença e as fronteiras étnicas são, também, diversas. Trata-se, portanto, de combater os preconceitos, sem, contudo, caminhar em direção à descaracterização de um povo.
Nota: Leiam. Vale muito a pena conhecer um pouco mais sobre tudo isso, sobre essa luta e essa conquista que precisam ser vistos com olhos de humanidade. A AMSK/Brasil e o Coletivo "Dosta" recomendam a leitura. Consciente e realista. Olhar atento e claro. Sem nuvens, sem ódio, sem fantasias.
Homeopatas dos Pés Descalços