Foto cedida por Bruno Gonçalvez - Portugal
A Multiculturalidade e o Processo de Adaptação à Doença: Estudo de caso
na etnia cigana num serviço de Hematologia - PT
Autores: Catarina Ramos, Nuno
Guerra, Paula Jorge, Susana Pedrosa, Rosa Romão.
CHLC-Hospital dos Capuchos,
Serviço de Hematologia
Introdução: A
multiculturalidade presente na sociedade de hoje coloca desafios permanentes
aos profissionais de saúde. A vida em família cigana tece-se, na sua maioria,
na filiação étnica que se estrutura em torno de um quadro de valores simbólicos
e morais que dão corpo à sua vivência diária e que influencia o indivíduo
cigano em qualquer circunstância da sua vida (SOUSA, 2001). Só
se pode compreender aquilo que se conhece, daí a importância de se falar dos
grupos de ciganos. A forma como se constitui a família, as suas relações, o
casamento, a importância dos filhos no prestígio e no poder da família, a sua
relação com a escola, com a doença e a hospitalização e com a morte são
aspectos fundamentais para um melhor acolhimento dos membros desta comunidade
na organização hospitalar (FERNANDES, 2000).
Segundo Pereira e Kinebanian
(2007), as instituições de saúde portuguesas não se encontram adaptadas às
necessidades apresentadas pelas pessoas de etnia cigana. Foi deste modo que a
equipa abarcou este desafio para melhor identificar e delinear estratégias de
actuação na nossa prática diária para melhor responder às necessidades e
bem-estar do indivíduo cigano e sua família. Como base para este trabalho
utilizou-se como objecto de estudo, um jovem adulto, sexo masculino, 18 anos de
idade, com diagnóstico de Leucemia Linfoblástica Aguda, seguido no serviço de
Hematologia desde 2006; possui o 6º ano de escolaridade, é parte integrante de
uma comunidade numerosa, da qual pertence à hierarquia de líderes; casado, pai
de uma filha de 2 anos.
Objectivos:
Identificar as necessidades de um doente
de etnia cigana durante o internamento e no processo de adaptação à doença;
Identificar as estratégias desenvolvidas pela equipa multidisciplinar e pelo
doente/família durante o internamento e no processo de adaptação à doença.
Método:
Análise retrospectiva dos sucessivos internamentos (20 no total) através dos
registos clínicos efectuados do doente em estudo, desde o diagnóstico até Junho
de 2007.
Resultados:
A identificação das necessidades
sentidas tornou necessária a definição de estratégias e o planeamento de
intervenções diferenciadas a adoptar em conjunto com o doente/família. A
representação social da doença é entendida como um castigo e punição de Deus
que se abateu sobre toda a comunidade, que se mostra ansiosa e com preocupação
constante. A necessidade da presença da sua família/comunidade tornou-se
evidente e necessária para o bem-estar do doente, quer por aspectos culturais,
quer pela reorganização de papéis a efectuar na mesma. A área de intervenção na
prestação de cuidados foi alargada a toda a comunidade, nomeadamente através do
alargamento do horário da visita e com contactos com o pastor evangélico, visto
como protector da comunidade e um elemento capaz de apaziguar tensões existentes.
A adaptação à doença,
inicialmente encarada com revolta e incompreensão, foi gradualmente sendo
aceite e encarada com esperança no futuro.
A exposição do corpo reveste-se
de vergonha e embaraço de acordo com o seu sistema de valores, dificultando por
vezes uma correcta observação física ou a prestação de cuidados que impliquem a
exposição/observação do corpo, nomeadamente nos cuidados de higiene. Uma maior
privacidade, o acompanhamento mais próximo da esposa e o desenvolvimento de um
clima de confiança, foram importantes para ultrapassar esta barreira.
As necessidades de introdução da dieta
neutropénica e de recorrer a suporte transfusional são abordadas com
desconfiança ao longo dos primeiros internamentos, verificando-se a tentativa
de negociação recorrente por parte do doente. A integração do doente nos
cuidados foi gradual, contribuindo a postura de empatia e de assertividade por
parte dos profissionais, para o estabelecimento de um clima de confiança entre
ambos, que possibilitou a prestação de cuidados inerentes ao seu
estado/necessidades.
Conclusões:
O melhor conhecimento da cultura cigana, por parte da equipa, permitiu uma
melhor percepção dos problemas sentidos pelo doente e sua comunidade. As
estratégias utilizadas pelos profissionais para facilitar a adesão ao
tratamento e ao processo de internamento/adaptação à doença passaram pelo
envolvimento de toda a comunidade, levando a uma melhor adequação dos cuidados
e uma progressiva integração da mesma. A intervenção teve como base a comunicação,
o respeito, a perseverança, a assertividade e a empatia através dos cuidados
centrados no doente e na sua família. Foi desta forma visível, e sentido
diariamente pela equipa, o desafio de compreender e adequar as respostas
através da adaptação, planeamento, execução e avaliação dos cuidados prestados,
numa perspectiva de enfermagem intercultural.
Bibliografia:
FERNANDES, João José Santos – O
doente de etnia cigana: uma visão dos enfermeiros – Lisboa: 2000 – 245 f.
MACHADO, Paulo – A etnia cigana em Portugal, Janus, Lisboa 2001
PEREIRA, Eugénia & Astrid KINEBANIAN
- Intervir
com Pessoas de Etnia Cigana – Experiências de Terapeutas Ocupacionais,
Lisboa 2007
SOUSA, Carlos Jorge – Um olhar cúmplice,
Políticas Educativas: o caso da
etnicidade cigana, Secretariado Entreculturas, Lisboa 2001
União Europeia; Guia de intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde (trad.
port.), Fundación Secretariado
Gitano, Madrid 2007
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