Bom gente, toda boa conversa, daquelas que sempre dizem respeito a uma boa parte das mulheres (ter filhos, engravidar, parir .....) pois é, a hora do parto, é nessa hora que nossa conversa se coloca. E é quando você tem medo de sofrer violência no hospital ... violência obstétrica. CHEGA.
O Ministério da Saúde tem avançado nesse assunto e com isso trazer muitas questões que devem ou pelo ao menos deveriam ser mais respeitadas. Infelizmente no Brasil não é bem assim. O que podemos fazer?
Simples: temos de nos informar e exigir informação qualificada.
Relato de parto – Mariana e Elisa, Brasília, 02/02/2014
O meu relato de parto começa logo
depois da descoberta da gravidez, quando agendei a primeira consulta de
pré-natal com um médico do convênio. O GO autorizou a entrada do meu esposo com
o seguinte comentário desnecessário "Ele é o pai? Bom, pai é quem cria
mesmo! Pode entrar!". Fez os cálculos da gestação e concluiu que a data
provável para o parto seria 22/01/2014. Imediatamente disse: "não tem
médico que vai fazer seu parto em janeiro". O que ele esperava que eu
fizesse? Antecipasse o parto ou esperasse passar o tempo? Mesmo assim me
examinou normalmente. Para aliviar a tensão, comecei a elogiar a decoração do
consultório, com temas newborn. Ele
então disse que precisava redecorar com novas fotos, mas desta vez com fotos da
Playboy, já que ele também é ginecologista. Como se não bastasse, ele começou
logo a preencher o cartão de gestante e perguntou se era o primeiro filho.
Dissemos que tínhamos um cachorrinho, que tratávamos como um filho. Ele então sem
deixar de preencher os papeis, disse firmemente: desfaz do cachorro! Resultado:
desfizemos do obstetra.
Dali começou nossa saga em busca de um
médico. Ao buscar recomendações de outras mães, logo me deparei com a triste
realidade dos convênios: a cobrança à parte para garantirem uma dedicação
exclusiva no parto (já que poderiam vir a perder pacientes no consultório, caso
eu entrasse em trabalho de parto em horário comercial, por exemplo). Também
passei por outro médico cesarista que chegou a me acompanhar por meses, acabou saindo
do convênio quando eu completei 8 meses. Por fim, como me via sem opção, passei
a agendar desesperadamente um atrás do outro, na esperança de ter ao menos uma
assistência.
Quando comecei a refletir sobre o meu
parto, vi que eu já tinha construído um conceito: previsível, agendado,
controlado, hospitalar, cesáreo. Fui confrontada por algumas amigas, que me
fizeram perceber meu desconhecimento e, principalmente, as motivações egoístas
e automatizadas. Descobri que havia rodas de gestantes, outras modalidades de
parto não hospitalares e até a tal doulagem. Comecei então a pesquisar a fundo,
entrar em grupos do Facebook e acabei conhecendo a Taíza Nóbrega, que naquela
ocasião me dedicou horas em uma madrugada para me ajudar. E foi assim que tudo
começou a mudar. Taíza tornou-se minha doula, e uma amiga muito querida.
Registro aqui o meu profundo agradecimento a ela e aproveito para valorizar e
apoiar todos os trabalhos de doulagem humanizados e sérios que existem por aí.
Eu não conhecia, mas agora sou defensora-mor!
Dias depois fui assistir ao filme
"O Renascimento do Parto". Chorei do começo ao fim. Foi divisor de
águas na minha vida. Ali aprendi o que se ganha e o que se perde com o tipo de
parto que se tem. Ali mesmo decidi, junto com meu esposo, que não queria abrir
mão de ter o meu parto natural. Mal sabíamos o que nos aguardava. Chegamos a
nos consultar com outros 6 Gos que não estariam em Brasília em janeiro ou já
declaradamente diziam que não faziam parto normal. Enfim, sabendo onde
queríamos chegar, começamos a traçar o Plano de Parto. Não tínhamos recursos
para contratar equipe particular com trajetória de partos humanizados, então
tínhamos limitações. O que não contávamos era que a minha gestação
ultrapassaria 41 semanas. Resultado: quando completei 40 semanas e 6 dias,
depois de ter feito uma sessão de acupuntura, a 8ª GO que eu fui (indicada pelo
plano de saúde como uma médica fofa que fazia partos normais) me recomendou uma
cesariana, sem alternativas de indução para o parto normal. Como me recusei,
ela me passou um laudo e assinou no meu cartão de gestante que recomendava
cesárea imediata, desresponsabilizando-se assim do meu parto. Com o laudo em
mãos, passei a ir nos dias subsequentes às emergências obstétricas para monitorar
o bebê.
No primeiro dia, depois de ter passado
a noite anterior chorando muito e com diarreia, cheguei no primeiro hospital.
Tudo isso acontecendo, os amigos e familiares pressionando e nada de Elisa dar
sinal de nascer. Ao passar pela triagem, aquele espanto por parte das
enfermeiras: "41 semanas? Você vai ter seu bebê hoje, né? É muito perigoso
esperar mais!". Então, com a pressão 12/8, entrei no consultório para
pedir a realização do cardiotoco e do ultrassom. Mais um discurso de risco.
Insisti na avaliação, fiz os exames e, quando chegou o resultado, uma surpresa:
tudo normal, exceto o tal do Índice de Líquido Amniótico-ILA que estava em 1,5,
bem abaixo do recomendável que é de 8, e sequer apresentava sinal de rompimento
de bolsa. Mas o cardiotoco estava normal. A médica então fez aquele terrorismo
e tentando me convencer de que eu tinha que ser internada imediatamente para a
cesárea. Pedi que ela me esperasse falar com minha família primeiro e buscar as
minhas coisas, e ela respondeu dizendo que ainda naquela sexta-feira eu teria
de retornar, pois o bebê poderia morrer a qualquer momento. Saí imediatamente
do Hospital e fui pra casa. Sob muita tensão, fomos pesquisar sobre o ILA.
Lemos posts dos grupos do Facebook e artigos científicos que diziam que uma das
causas de ILA baixo é desidratação da mãe, cuja recomendação é a hiperidratação
e uma reavaliação após 6 horas para a definição do procedimento. Outro fator é
o pós-termo, que não deve aplicar a referência de ILA 8. Próximo de 5 já seria
razoável. Lembrei da diarreia do dia anterior e, convicta da segurança da minha
filha pelos outros exames, pelos movimentos que eu sentia, confiante que Deus
estava comigo e eu tinha paz no meu coração, fiquei em casa e me hidratei
bastante.
No dia seguinte fui a outro PS, onde
enfrentei as mesmas perguntas e espantos. Quando mostrei o exame anterior, a
médica nem quis discutir, foi recomendando a cirurgia. Firmemente, afirmei que
já estava preparada para ficar naquele hospital caso o meu ILA não tivesse
subido, mas que era meu direito repetir os exames. Ela saiu da sala, discutiu
com outro GO também plantonista, repetiu o discurso de risco, mas acabou
cedendo e me autorizou a refazer os exames. Quando estava fazendo o cardiotoco,
comecei a sentir contrações fortes e entendi que estava entrando em trabalho de
parto, mas a ansiedade pelo ILA ter subido era grande. Enfim, repetimos o
ultrassom, e a médica só disse que estava muito baixo. Mais ansiedade. Mais
contrações. O resultado sairia em uma hora. Decidimos almoçar lá mesmo e ligar
para a Taíza, quase desistindo, quando ela nos encorajou a perseverarmos, já
que os sinais de TP estavam evidentes! Fomos pra casa enquanto minha mãe
driblava o sistema hospitalar para pegar o resultado que só saiu duas horas
depois: 4,5! Maravilha! E as contrações acontecendo... 12 horas depois descobrimos
que eram apenas pródromos. Outra sessão de acupuntura.
Já no outro dia, fomos à Casa de Parto
monitorar os sinais vitais do bebê. Tudo normal, mas dilatação de 3cm. Voltamos
pra casa. Novamente, mais contrações, mas não evoluíam. Às 18h decidimos ir a
outro Hospital (sempre um diferente, para não correr o risco de não sair mais).
Desta vez, quando me preparava para sair de casa, fraquejei por um instante.
Cheguei a declarar que não suportaria mais passar novamente por toda aquela
pressão, que sob qualquer suspeita agora eu queria a cesariana. Enfim, no
caminho para o hospital, as dores aumentaram. Na triagem do PS, mesma ladainha
e espanto. Quando a médica começou o atendimento, já fui logo dizendo que sabia
dos riscos mas que estava ali só para monitorar o bebê. Durante o cardiotoco,
feito pela própria médica, quando vinham as contrações, eu prendia a respiração
e, consequentemente, os batimentos cardíacos do bebê caíam. Nessa hora a doula
que estava atrás da médica e assistindo a tudo, acenava para que eu respirasse
profundo a cada contração. Deu certo! Exame normal! Nada de sofrimento. Vendo
que eu não iria ceder, a médica então fez o toque e identificou que a dilatação
estava em 5cm. Por ser a única médica daquele PS no plantão, não poderia
esperar a evolução das dilatações e me assistir para ter parto normal, pois
tinha outras pacientes para atender naquela noite. Feliz com a notícia, disse
que sairia dali direto para um hospital público ali perto. Optei por aguardar a
evolução da dilatação em casa. Isso foi perto de 21h.
A dores se intensificaram e, para a
minha alegria, entrei na Partolândia! Durante 5 intensas horas, tive todo o
carinho do meu esposo, da minha mãe e da minha doula, a proteção de Deus e do
meu cachorrinho, que me velaram o tempo todo! Fiquei na água quente a maior
parte do tempo, revezando entre a banheira e o chuveiro. Massagens nas costas e
agachamentos também ajudaram muito! As dores vinham cada vez mais fortes e me
lembrava de outra lição da Taíza: "a dor é sua amiga. Quanto maior e mais
frequente, mais rápido acabará e trará Elisa!" Chegou então o momento em
que era tão intenso e forte que já nem queria mais sair de casa. Como desejei o
parto domiciliar! Enfim, momentos depois, quando comecei a sentir vontade de
fazer força, percebemos que Elisa estava nascendo e que precisávamos correr
para uma unidade de saúde!
A unidade de saúde mais próxima da
minha casa é a Casa de Parto de São Sebastião. Tive uma contração no caminho e
uma no estacionamento da Casa de Parto que.... quaseeee! Nos 4 minutos de
percurso, só deu tempo de entrar na sala de parto, enxergar a banqueta, sentar
e fazer uma força na primeira contração. Foi ali, naquela hora, que tivemos a
certeza de que a bolsa não havia sido rompida. Elisa estava empelicada, providência
de Deus para preservar até o último momento o pouco líquido que havia! Na
primeira contração, já saiu a cabeça. A enfermeira então identificou que havia
uma circular de cordão e me pediu para não fazer outra força. Livre do cordão,
a próxima contração consumou a chegada da Elisa a este mundo! Imediatamente,
antes de cortar o cordão, ela mamou! Toda linda, vestida de vernix, forte e
corajosa, mamou com a força que demonstrou durante as 41 semanas e 4 dias da
gestação! Marido chorando e registrando o momento, vovó cortando o cordão
umbilical após pulsar todo o sangue, doula dando suporte para a pega correta da
amamentação, enfermeira finalizando os procedimentos com a placenta e dando pontos
nas pequenas lacerações. Muito amor, ambiente acolhedor, meia luz, família
presente, sem intervenções, sem analgesia, sem ocitocina sintética, sem
episiotomia, sem intercorrências, do jeito que queríamos receber Elisa! De fato
se cumpriu a profecia do primeiro GO, de que não teria médico para fazer meu
parto em janeiro! Quem fez o parto? Eu fiz o parto de Elisa, dia 2 de
fevereiro, às 2h34 da manhã, com a ajuda de Deus, sem médico, com a assistência
de enfermeiras obstétricas parteiras, doula e família!
Aprendi que intensidade da dor do parto
em si não é maior do que a força que se empenha para enfrentar esse sistema,
basicamente sustentado por esses três elementos: os protocolos, os costumes e,
lamentavelmente, os interesses financeiros. Passamos por 11 GOs, e decidimos
nadar contra a maré diariamente. A decisão de enfrentar o sistema só foi
possível porque Deus nos abençoou por meio de pessoas que sabiam lidar com as
pressões de todos os lados. Como uma boa assistência fez toda diferença nas
nossas vidas! Sem dúvida, a doula Taíza Nóbrega foi fundamental nesse processo.
Os grupos de apoio e as rodas de gestantes também ajudaram muito a compreender
e a conhecer casos concretos, tornando-me cada dia mais empoderada para
enfrentar este e me fortalecendo para os novos desafios que virão ao longo da
vida.
Assim nasceu Elisa, linda e saudável, assim nasceu Mariana também, pronta para lutar por outras mulheres, como a pequena Elisa, que um dia, talvez queiram ser mães e quem sabe, receberam mais respeito e menos violência.
Os casos de violência sofridas durante o atendimento do parto devem ser relatadas, denunciadas e publicadas.
DISQUE 100
a violência Obstétrica atinge 1 em 4 mulheres no país.
Mariana, um abraço apertado,
Elisa, um cuidado apertadinho;
Mulheres, vamos nos abraçar e nos proteger.
Homeopatas dos Pés Descalços.