Manifesto contrário ao Decreto 10.134,
de 26 de novembro de 2019
A Rede Nacional Primeira Infância - articulação apartidária
composta por 240 instituições, entre organizações da sociedade civil, do
governo, do setor privado, de outras redes e de organizações multilaterais que
atuam, direta ou indiretamente, na promoção, defesa e garantia dos direitos da
Primeira Infância– crianças de até seis anos de idade - e outras entidades
signatárias que atuam na defesa dos direitos das crianças vêm a público
manifestar sua indignação e total inconformidade com o Decreto 10.134 de 26 de
novembro de 2019, pelo qual o Governo Federal transfere para a iniciativa
privada a definição e realização de projetos de construção, reforma, ampliação
e operação de estabelecimentos públicos de educação infantil com recursos
públicos. Operação significa, na prática, gestão técnica e pedagógica.
O referido Decreto fere o preceito constitucional (art. 30,
VI e art. 211) que, desde 1988, confere aos municípios, em regime de
colaboração com os Estados e a União, a responsabilidade de regulamentar, gerir
e ofertar vagas de educação infantil, processo que compreende desde a
construção de equipamentos públicos destinados à educação e aos cuidados
direcionados à população de zero a cinco anos e onze meses, até a criação de políticas de regulamentação
da carreira profissional de acordo com a especificidade social, econômica e cultural dos territórios que compõem o Estado
brasileiro.
A Carta Constitucional de 1988 incorporou ao ordenamento
jurídico nacional algo que há muito estava persente na compreensão da sociedade
acerca da importância social atribuída à educação infantil. Dentre outras
provisões, ela consagrou a educação infantil como direito da criança, alterando
a concepção anteriormente vigente de serviço sob a ótica da assistência social
– o que é ratificado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Mais ainda: é a
partir desse preceito que a Lei de Diretrizes e Bases reconhece a creche e a
pré-escola como as instituições que oferecem a primeira etapa da Educação
Básica. Desse modo, ao entregar para o setor privado a definição de projetos de
construção e também a sua operação, o governo federal evidencia a intenção de
entregar a gestão pública da educação ao mercado e à classe empresarial,
isentando o Estado de seu dever de ofertar educação pública, gratuita, laica e
com responsabilidade social.
Trata-se de uma tentativa nefasta de desmonte da política
pública de educação infantil brasileira,
que resulta de lutas históricas, e coloca em risco avanços importantes da
política nacional de educação.
Ao transferir a grupos privados a possibilidade de definir
os projetos de construção e manutenção de equipamentos públicos de educação
infantil, bem como sua operacionalização – o que compreende também o trabalho pedagógico nessas instituições – o
governo Bolsonaro desfigura o Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição
de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil (PROINFÂNCIA)
que, desde 2007, possibilita aos municípios, por meio de repasse de recursos
públicos, a construção, ampliação e reforma de instituições de educação
infantil, e estabelece parâmetros de qualidade e de infraestrutura que visam a
qualidade da educação infantil..
O Decreto
10.134/2019 surgiu sem que houvesse diálogo com entidades representativas e
articuladas em prol dos direitos das crianças, como o Conselho Nacional de
Educação, os movimentos sociais, os profissionais, gestores e representantes
dos municípios, especialistas e pesquisadores da área. Declaramos, portanto,
rechaço a esse Decreto, conclamando todas as entidades da área da educação a
que se manifestem contrárias a esta medida retrógrada e antidemocrática. Nossa
manifestação soma-se às de outras entidades e sinaliza para a construção de
ações conjuntas em defesa dos direitos das crianças de nosso país.
Brasília,
02 de dezembro de 2019.
REDE NACIONAL PRIMEIRA INFÂNCIA
Rede Nacional
Primeira Infância