Ministros e outros funcionários de alto escalão de 170 países aprovam a
Declaração Política e o Quadro de Ação para combater a fome e a
obesidade na Segunda Conferência Internacional sobre Nutrição.
Num passo importante para erradicar a desnutrição em todo o mundo, 170 países fizeram nesta quarta-feira (19) uma série de compromissos concretos
e aprovaram várias recomendações sobre políticas e investimentos que
visam a assegurar que todas as pessoas tenham acesso a dietas mais
saudáveis e sustentáveis.
Ministros e altos funcionários responsáveis pelas áreas da saúde, da
alimentação ou da agricultura, entre outros temas relacionados à
nutrição, adotaram a Declaração de Roma sobre Nutrição e o Quadro de Ação,
que estabelecem recomendações para políticas e programas para enfrentar
as questões da nutrição em múltiplos setores. Isto aconteceu na
abertura, em Roma, da Segunda Conferência Internacional sobre Nutrição (ICN2), organizada pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
A Declaração de Roma sobre Nutrição consagra o direito de todos ao
acesso a alimentos seguros, suficientes e nutritivos, comprometendo os
governos a prevenir a nutrição inadequada em todas as suas formas,
incluindo a fome, as deficiências de micronutrientes e a obesidade.
O Quadro de Ação reconhece que os governos têm o papel e a
responsabilidade principal de responder às questões e aos desafios
nutricionais, em diálogo com um vasto leque de intervenientes –
incluindo a sociedade civil, o setor privado e as comunidades afetadas.
Com base nos compromissos, objetivos e metas contidos na Declaração, o
Quadro recomenda 60 ações que os governos podem incorporar nas suas
políticas nacionais de nutrição, saúde, agricultura, educação,
desenvolvimento e investimento, e considerar na negociação de acordos
internacionais para alcançar uma melhor nutrição para todos.
O diretor-geral da FAO, o brasileiro José Graziano da Silva, afirmou:
“Temos o conhecimento, a experiência e os recursos necessários para
superar todas as formas de nutrição inadequada”.
“Os governos devem liderar o caminho”, acrescentou. “Mas a pressão
para melhorar a nutrição global deve ser um esforço conjunto, envolvendo
organizações da sociedade civil e o setor privado.”
A Declaração de Roma e o Quadro de Ação “são o ponto de partida
destes renovados esforços para melhorar a nutrição de todos, mas não são
a linha de chegada. A nossa responsabilidade é a de transformar o
compromisso em resultados concretos”, afirmou Graziano da Silva.
“Agora temos de redobrar os nossos esforços”, declarou o
secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, num vídeo dirigido aos
participantes da ICN2. “Aguardo com expectativa os compromissos
nacionais que cada um de vós vai colocar em prática. Por sua vez, o
Sistema das Nações Unidas compromete-se a fazer tudo o que for possível
para prestar um apoio eficaz”, acrescentou.
A diretora-geral da OMS, Margaret Chan, afirmou: “O sistema alimentar
mundial, com a sua dependência na produção industrializada e nos
mercados globalizados, produz amplamente alimentos mas cria alguns
problemas para a saúde pública. Parte do mundo tem muito pouco para
comer, deixando milhões vulneráveis à morte ou às doenças causadas por
deficiências de nutrientes. Outra parte come em excesso, com a
propagação da obesidade a fazer cair a esperança média de vida e a fazer
subir os custos com cuidados de saúde para valores astronômicos.”
Metas específicas
O Quadro estabelece mecanismos de responsabilização eficazes,
incluindo quadros de monitorização para acompanhar o progresso, bem como
objetivos e metas de nutrição com base em indicadores acordados
internacionalmente.
Os países signatários devem alcançar resultados concretos até 2025,
incluindo as metas para melhorar a saúde nutricional materna, jovem e
infantil, e para a redução de fatores de risco relacionados com os
hábitos alimentares que provocam doenças não transmissíveis, como
diabetes, doenças cardíacas e certos tipos de câncer.
Sistemas alimentares sustentáveis são fundamentais para promover uma
alimentação saudável. Os governos são chamados a promover uma
agricultura que melhore as dietas, através da integração de objetivos de
nutrição na elaboração e implementação de programas agrícolas, que
garantam a segurança alimentar e permitam uma alimentação saudável.
A Declaração e o Quadro são frutos de quase um ano de intensas
negociações que envolveram representantes dos países-membros da FAO e da
OMS. Os países reconheceram que, apesar dos importantes avanços que
foram feitos na luta contra a desnutrição desde a primeira Conferência
Internacional sobre Nutrição, em 1992, os progressos têm sido
insuficientes e desiguais.
Embora a prevalência da fome tenha caído 21% desde 1990-1992, mais de
800 milhões de pessoas no mundo ainda passam fome. O atraso no
crescimento – altura baixa proporcionalmente à idade – e o deficit de
peso – peso baixo em relação à idade – também foram reduzidos, mas cerca
de 161 milhões e 51 milhões de crianças menores de cinco anos,
respetivamente, ainda eram afetadas em 2013. A desnutrição está
associada a quase metade de todas as mortes de crianças menores de cinco
anos de idade, cerca de 2,8 milhões por ano.
Mais de dois bilhões de pessoas são afetadas por deficiências de
micronutrientes, ou “fome oculta”, devido à ingestão inadequada de
vitaminas ou minerais. Enquanto isso, o fardo da obesidade está em
rápido crescimento, com cerca de 500 milhões de pessoas obesas, e três
vezes mais com sobrepeso. Cerca de 42 milhões de crianças menores de
cinco anos já estão com sobrepeso. No Brasil, a obesidade atinge de mais
de 50% da população.
Além disso, as diferentes formas de nutrição inadequada sobrepõem-se
muitas vezes, com pessoas que vivem nas mesmas comunidades – às vezes
até na mesma casa – a passar fome, com deficiências de micronutrientes e
obesas. Em geral, metade da população mundial é afetada por algum tipo
de nutrição inadequada.
Sistemas alimentares sustentáveis para uma alimentação saudável
O papel dos sistemas alimentares – a forma como os alimentos são
produzidos, processados, distribuídos, comercializados e preparados para
o consumo humano – é crucial na luta contra a nutrição inadequada.
Muitas das recomendações adotadas pelos ministros atualmente
procuram promover sistemas alimentares mais sustentáveis e dietas
diversificadas e saudáveis.
Para este fim, os governos são incentivados a reforçar a produção e o
processamento dos alimentos a nível local, principalmente por pequenos
produtores e agricultores familiares, com especial atenção para o
empoderamento das mulheres.
Embora uma abordagem aos sistemas alimentares seja importante, também
são necessárias ações complementares em outros setores. Estas incluem
educação e informações nutricionais, as intervenções nutricionais
diretas por parte do sistema de saúde – como o aconselhamento e apoio à
amamentação, a gestão da desnutrição aguda ao nível comunitário e o
fornecimento de suplementos de ferro e ácido fólico para mulheres em
idade reprodutiva –, e outros serviços de saúde para promover a
nutrição, o acesso a água, saneamento e higiene, a segurança alimentar, a
proteção social, o comércio e os investimentos internacionais.
Medidas direcionadas às mães, bebês e crianças
A nutrição inadequada dói mais nas primeiras fases da vida. Os países
precisam, portanto, direcionar medidas especiais no sentido de abordar
as necessidades nutricionais das mães antes e durante a gravidez, e dos
bebês durante os “primeiros mil dias”, desde a concepção até os dois
anos de idade. Assim, é fundamental, promover e apoiar o amamentação
materno exclusivo por seis meses, e a continuação da amamentação até
dois ou mais anos de idade.
Apela-se para que os governos eduquem e informem os cidadãos sobre as
práticas alimentares mais saudáveis, além de introduzir medidas de
proteção social, como os programas de alimentação escolar, para garantir
dietas nutritivas aos mais vulneráveis. As iniciativas para combater a
obesidade devem ser reforçadas pela criação de ambientes saudáveis que
também promovam a atividade física desde tenra idade.
Para garantir o acesso universal a uma alimentação saudável, os
governos devem incentivar a a redução de gorduras trans, gorduras
saturadas, açúcares e sal nos alimentos e bebidas, e a melhoria do
conteúdo nutricional dos alimentos através de instrumentos regulatórios e
voluntários.
A Declaração de Roma convida também os governos a regular a
comercialização das fórmulas infantis e a proteger os consumidores,
especialmente as crianças, em relação ao marketing e publicidade de
alimentos e bebidas não saudáveis.
Atualmente, há uma compreensão mais clara da natureza complexa dos
efeitos de uma nutrição inadequada, e já se sabe o que é necessário para
enfrentar os seus múltiplos desafios. Os problemas globais de nutrição
requerem soluções globais, e a nutrição merece mais atenção na agenda
internacional de desenvolvimento.
O Quadro de Ação da ICN2 estabelece estratégias, políticas e
programas que precisam de ser implementados para “acabar com a fome,
alcançar a segurança alimentar e melhorar a nutrição”, de acordo com a
agenda de desenvolvimento das Nações Unidas para o pós-2015.
Os países recomendaram que a Assembleia Geral da ONU endosse a
Declaração de Roma e o Quadro de Ação e considerem declarar 2016-2025
como a Década de Ação para a Nutrição.